2ª Parte do Texto Vencendo na Raça. Com anotações do Prof. Antônio Moura/Unemat,
campus de Cáceres.
Apoio às aulas de Pressupostos Antropológicos da
Educação e Educação e Diversidades
Fonte
Por Rafael Kenski, Revista SuperInteressante
Abril/2003.
EXISTEM RAÇAS HUMANAS?
[1ª classificação dos seres humanos (em
raças) de acordo com a aparência]
Em 1758, o botânico sueco Carolus Linnaeus o criador do atual sistema de classificação
dos seres vivos deu à humanidade o nome científico de Homo sapiens e a dividiu
em quatro subespécies:
os vermelhos americanos,
"geniosos, despreocupados e livres";
os amarelos asiáticos,
"severos e ambiciosos";
os negros africanos,
"ardilosos e irrefletidos",
os brancos europeus,
evidentemente, "ativos, inteligentes e engenhosos".
Estava aberta a discussão sobre a existência de
raças humanas e o valor de cada uma. No entanto, essas características nunca
foram comprovadas e a principal conseqüência desse tipo de idéia foram as
câmaras de gás nazistas, o que levou os cientistas do século 20 a acreditar que
todas as diferenças entre humanos estavam na cultura
[não existe “raça” biologicamente]
A idéia de que as raças humanas não existem
biologicamente foi reforçada nos anos 70, quando pesquisas analisaram as
diferenças entre as proteínas de diversas populações. Os seres humanos estavam
muito longe de apresentar uma diversidade comparável à de espécies que de fato
possuem raças, como elefantes ou ursos.
Na verdade,
a diferença genética entre dois chimpanzés de uma mesma colina na África pode
ser maior que o dobro da existente entre os 6 bilhões de humanos do planeta.
Faltava apenas uma medida precisa da grande
semelhança existente entre nós, e ela finalmente apareceu em dezembro do ano
passado.
[comprovação através da pesquisa genética
da inexistência de raças humanas]
Uma equipe
de sete pesquisadores dos Estados Unidos, França e Rússia comparou 377 partes
do DNA de 1 056 pessoas de 52 populações de todos os continentes. O placar
final: entre 93% e 95% da diferença genética entre os humanos é encontrada nos
indivíduos de um mesmo grupo e a diversidade entre as populações é responsável
por 3% a 5%.
Ou seja, dependendo do caso, o genoma de um
africano pode ter mais semelhanças com o de um norueguês do que com alguém de
sua cidade. O estudo também mostrou que não existem genes exclusivos de uma
população, nem grupos em que todos os membros tenham a mesma variação genética.
"A
diversidade entre as populações está nas diferentes freqüências de traços que
são encontrados em todo lugar", diz o biólogo Noah Rosemberg, da
Universidade do Sul da Califórnia, Estados Unidos, um dos autores do trabalho.
O estudo, entretanto, levantou um aspecto polêmico:
há, de fato, uma relação entre o grupo de origem de uma pessoa e seu genoma. Em
outras palavras, a ancestralidade declarada por alguém reflete uma diferença
genética, mesmo que, como dissemos há pouco, essa diversidade seja de apenas 3%
a 5% da que existe entre os humanos. "Existem claramente diferenças entre
populações que são visíveis no genoma. Algumas pessoas podem chamar isso de
raça, outras não, mas o fato é que a diversidade existe, apesar de representar
uma fração bem pequena da nossa constituição genética", diz Rosemberg.
A questão já era muito discutida pelos médicos.
Para alguns, mesmo que as raças não existam, a etnia de uma pessoa pode
fornecer pistas que facilitem o diagnóstico de doenças. Outros acham que usar
raças na medicina não só é inútil como perigoso. A polêmica ganhou força com a
publicação no ano passado de uma pesquisa que afirmava que o enalapril, um
remédio para problemas cardíacos crônicos, funcionava menos em negros que em
brancos.
Existem de fato doenças mais comuns em algumas
etnias. Um exemplo é a hemocromatose, uma desordem na metabolização de ferro,
que ocorre em 7,5% dos suecos mas é quase inexistente em chineses ou indianos.
Os negros americanos também sofrem mais de doenças cardiovasculares, mas o
motivo ainda é desconhecido: pode ser um traço hereditário ou o resultado de
mais tensões e menos acesso a serviços de saúde. Qualquer que seja a
explicação, não podemos generalizar os resultados. "Cada país tem uma
composição genética diferente, que varia de acordo com a história e a interação
entre os grupos que para lá migraram", afirma o geneticista Sérgio Pena,
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mesmo que a raça seja um recurso útil para prever o
risco de doenças, muitos médicos acreditam que seria melhor abandoná-la em prol
de uma análise mais rigorosa da ascendência. "Não se sabe ao certo se usar
raças na medicina é melhor do que não usar nenhuma informação sobre
ancestralidade. Nós preferimos usar classificações mais específicas, que
chamamos de populações", diz Rosemberg.
[exemplo da inexistência de raças
humanas]
A única semelhança, por exemplo, entre os negros do
Sri Lanka, da Nigéria e do norte da Austrália é a cor da pele.
A categoria ainda teria a vantagem de lidar melhor
com sociedades mais miscigenadas. "Se você permitir que as pessoas
declarem múltiplas ancestralidades, terá boas chances de determinar as
diferenças genéticas", afirma Rosemberg.
As novas técnicas de análise genética, no entanto,
abrem a possibilidade de se abandonarem de vez as classificações raciais em
prol de critérios mais precisos. "Nós precisamos simplesmente olhar todos
os humanos como um enorme conjunto de genes e ver se conseguimos achar alguns
grupos, que provavelmente não corresponderão à divisão clássica de raças",
diz Nina Joblonski. O geneticista David Goldstein, da University College, em
Londres, Inglaterra, estudou a resposta a remédios em seis grupos étnicos
clássicos. O resultado foi melhor quando, em vez de considerar as populações,
ele reagrupou os indivíduos de acordo com semelhanças genéticas. Como os seres
humanos são muito parecidos, um remédio que funcione para uma população sempre
encontrará pessoas em outros grupos que também podem se beneficiar dele. No
final, para cada característica poderíamos ter um novo agrupamento. Assim como
a Terra pode ser descrita por muitos tipos de mapa do topológico ao econômico é possível dividir
as variações genéticas de infinitas maneiras e ressaltar qualquer similaridade
ou diferença desejada. Se sobrepusermos todos os mapas, cada pessoa será única.
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Apoio de outros textos
- Provas contra a existência de “raças de seres humanos” (contra o conceito biológico de raças) (CHINOY, 1973, p.101)
- 1 – Os traços biológicos empregados na identificação das raças variam amplamente, não só dentro dos grupos, como também entre eles
- 2 – Em cada traço empregado para a classificação racial as medias diferem, mas os extremos se sobrepõem
- 3 – Os traços utilizados para a classificação de uma raça nem sempre abrangem a maioria das pessoas incluídas como sendo da referida raça. Exemplo – Em um estudo realizado na Suécia apenas 11% estavam de acordo com o tipo nórdico “puro”, alto, de olhos azuis, loiros, de cabeça alongada, embora os suecos sejam considerados uma das mais nórdicas entre as populações europeias.
- 4 – A história humana está cheia de misturas raciais e as atuais categorias raciais incluem muitos indivíduos não racialmente “puros”
Fonte
CHINOY, Eli. Sociedade:
uma introdução à sociologia. 3.ed. São Paulo: Cultrix,1973.
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[raça não existe no biológico mas existe
para analisar relações entre pessoas ou grupos de pessoas]
Qualquer que seja a conclusão a que os médicos e
biólogos cheguem, as raças vão continuar existindo para quem estuda as ciências
humanas. "Os brasileiros acreditam em raças e agem de acordo com elas.
Então elas existem", afirma o sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães,
da USP. "Elas são uma categoria de exclusão e dominação que traz problemas
na realidade. Mesmo que não existam biologicamente, elas criam vítimas",
diz o antropólogo Kabengele Munanga, também da USP. Ou seja, ao menos na cabeça
das pessoas, as raças são bem reais.
QUAL A ORIGEM DO RACISMO?
Muitos cientistas acreditam que o etnocentrismo
seja universal. Os mitos de origem de alguns nativos brasileiros trazem bons
exemplos. Os índios urubus, que habitam o vale do Pindaré, no Maranhão,
acreditavam que todos os homens vieram da madeira, só que eles vieram das boas,
enquanto seus vizinhos se originaram das podres. "Não existe nenhum relato
de sociedades tribais que não tenha etnocentrismo", diz João Baptista
Borges Pereira, da USP. O motivo é simples: esse tipo de idéia reforça os laços
entre os grupos, estabelece fronteiras entre eles e os outros e, de quebra,
levanta o moral das pessoas. Na década de 50, por exemplo, um índio
kadiweu tribo famosa por não mostrar
admiração por qualquer coisa que não fosse de seu grupo foi levado ao topo da
sede do Banespa, um dos edifícios mais altos de São Paulo e com uma arquitetura
ousada para a época. A reação foi: "É apenas uma casa em cima da outra.
Quem faz uma, faz 100".
A característica é tão disseminada que levou
psicólogos a pensar que as pessoas são programadas para discriminar grupos. Um
experimento feito por três psicólogos evolutivos da Universidade da Califórnia,
Estados Unidos, mostrou a alguns participantes fotos de brancos e negros junto
com partes de diálogo e frases desconexas.
Quando pediu que identificassem o autor das frases,
metade dos participantes utilizou a raça para fazer seu julgamento. A idéia é
que o racismo seria uma tendência do ser humano de formar grupos de alianças
com qualquer pista que ele tiver, como cor da pele, roupa ou sotaque.
A boa notícia é que o preconceito pode ser
facilmente dissolvido ou substituído por outro. Quando os negros e brancos que
apareciam nas fotos recebiam camisetas de cores diferentes, as
"cobaias" praticamente deixavam de classificá-los pela raça.
[preconceito contra outros grupos de
seres humanos é muito antigo. Mas o
racismo é recente]
O preconceito é tão antigo quanto a humanidade, mas
o racismo parece não ter mais de 500 anos.
"Antes disso, a discriminação era feita em
relação à cultura e ao diferente", diz o antropólogo Kabengele Munanga. Os
gregos chamavam de "bárbaro" qualquer pessoa que não falasse sua
língua, mas quem a aprendesse não teria complicações.
[Surgimento do Racismo no final do século 15 (mil e quatrocentos)] [com
os judeus na Espanha]
O problema começa a mudar no final do século 15,
quando a Inquisição espanhola obriga os judeus a se converterem ao catolicismo.
Muitos desses cristãos-novos continuam a praticar os seus ritos, o que leva os
católicos a acreditar que havia algo no sangue judeu que impedia a conversão. A
solução era evitar a miscigenação para que esse sangue não se espalhasse pela
população.
[com a chegada dos europeus à Africa e às
Americas]
Na mesma época, os europeus chegam à África e à
América e encontram um tipo de ser humano completamente diferente do que eles
conheciam. "Até então, a humanidade era a Europa.
O conceito de branco não existia antes de eles
conhecerem o negro", diz Kabengele. O encontro trouxe novos dilemas.
[uso da Biblia]
Os teólogos da época discutiam se os índios tinham
alma com o objetivo de saber, por exemplo, se ter relações sexuais com eles era
pecado. Eles também chegaram à conclusão de que escravizar africanos era
natural, com base na passagem bíblica em que Canaã, filho de Noé, embriaga-se e
é condenado à servidão (Gênesis 9,25).
[usos de argumentações cientificas]
A partir do século 18 e principalmente no século
19, as explicações bíblicas dão lugar a argumentos científicos.
Os pesquisadores associavam os traços
físicos de cada raça a atributos morais[M1] para tentar eliminar
características indesejáveis. Um deles foi o conde francês Joseph Arthur de Gobineau, que em 1855 concluiu que a miscigenação
causa a decadência dos povos e que os alemães eram uma raça superior às outras.
Um de seus discípulos foi o médico brasileiro Raimundo Nina Rodrigues, para
quem os rituais de candomblé eram uma patologia dos negros.
[racismo tem motivos práticos]
Apesar de essas teorias terem caído em total
descrédito no século 20, o tipo de discriminação que elas pregam permanece vivo
em muitas pessoas. "É uma ideologia que se reproduz facilmente e que está
sempre ligada à dominação de um grupo sobre o outro", diz Kabengele.
Ou seja, além de qualquer aspecto psicológico, o
racismo tem motivos bastante práticos. "Ele é um
sistema de levar vantagens sobre outras pessoas e manter privilégios",
afirma a psicóloga Maria Aparecida Silva Bento, coordenadora do Centro de
Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades (Ceert).
O BRASIL É RACISTA?
[Mito da Democracia Racial no Brasil]
Muito, mas demoramos para perceber. Durante
bastante tempo, acreditou-se que o Brasil era uma democracia racial. Cronistas
do século 19 chegaram a dizer que a escravidão por aqui era mais branda do que
o trabalho assalariado na Inglaterra. Da mesma forma, o índio brasileiro não
teria sido conquistado nem derrotado, mas sim "incorporado" à nação.
A idéia ganhou força nos anos 30, inspirada pela
obra do sociólogo Gilberto Freyre, para quem não havia no Brasil distinções
rígidas entre brancos e negros e a discriminação era social, feita aos pobres.
O mito começou a cair a partir do final da década
de 60, quando se descobriu que o Brasil não só tinha preconceito em relação aos
pobres o que em si já é terrível como a
discriminação era especialmente dirigida a negros, pardos e índios.
Os dados sociais mais recentes mostram a força das
diferenças raciais no Brasil (veja tabela). "Mesmo quando se comparam
pessoas da mesma região, sexo, idade e educação, os negros têm desvantagens no
mercado de trabalho", diz a socióloga Luciana Jaccoud, do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). Ela é uma das autoras de um estudo
publicado no ano passado que mostra a extensão dessas diferenças.
Mesmo quando existem dados favoráveis, como o
aumento do nível de ensino na população brasileira, a distância entre negros e
brancos permanece constante.
[Mito de que a pobreza dos negros é
apenas um resquício da época da escravidão.
Queda deste Mito]
Essas pesquisas ajudaram a derrubar um outro mito:
o de que a pobreza dos negros é apenas um resquício da época de escravidão.
É verdade
que o passado de servidão colocou a maioria dos negros em uma classe social
baixa, mas desde então já houve tempo para que a diferença diminuísse. Isso não
acontece porque os negros não têm as mesmas oportunidades que os brancos.
[causas da manutenção do Mito da
Democracia Racial, a ideia que o Brasil é um Paraiso Racial]
Se o racismo é tão forte, por que a imagem de que
éramos um paraíso racial durou tanto tempo?
Existem vários motivos.
[primeira causa]
O primeiro deles é que no Brasil a
mestiçagem foi muito intensa.
"O colonizador português não era avesso à miscigenação[M2] , o que ajudou a criar aqui um
grau de mistura gênica inusitado em qualquer população do mundo", afirma o
geneticista Sérgio Pena, da UFMG. Em um estudo publicado no ano passado,
Sérgio mostrou que, por baixo da pele, as
características do brasileiro são muito misturadas.
Um branco do
Sudeste ou do Nordeste do país, por exemplo, possui em média 30% de genes com
origem nos povos da África.
Nos negros,
o número de genes africanos é apenas um pouco maior: 55%.
Na aparência, entretanto, as pessoas continuaram a
parecer brancas e negras, com traços como cabelo encarapinhado, nariz largo e
pele escura sempre andando juntos. Enquanto os genes se misturavam, parece ter
havido uma seleção para que a aparência permanecesse igual. "Isso significa
que as pessoas no Brasil tendem a escolher cônjuges da mesma cor que
elas", afirma Sérgio.
A discriminação não era feita pela origem familiar,
mas sim pela aparência (leia o tópico Negros do Norte e do Sul).
Mesmo em uma família negra, os filhos de pele mais
branca casaram com brancas e amenizaram a discriminação[M3] .
Ou seja, os
genes africanos e indígenas tiveram ascensão social, mas as pessoas de pele
negra continuaram pobres.
[Segunda causa]
A longevidade do mito da democracia racial também tem a ver com identidade nacional.
No início do século 20, o Brasil possuía várias
colônias de imigrantes, ligados mais às suas regiões de origem do que ao
Brasil. Havia a necessidade de unificar o país em uma mesma cultura e dar a ele
uma origem e uma tradição. Foi o que tentaram fazer o modernismo da Semana de
22 e a Revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas.
"O Brasil começa a pensar em si mesmo como uma
civilização híbrida, miscigenada, capaz de absorver e abrasileirar as
manifestações culturais de diferentes povos que para aqui imigraram.
A idéia era
que os brasileiros constituíam uma só raça, um povo mestiço", afirma
Antonio Sérgio, da USP.
Na realidade, essa idéia de que somos um caldeirão
de raças e culturas em harmonia impediu que negros e índios denunciassem o
racismo e requisitassem melhores condições. Ou seja, a imagem do preto e do
nativo tiveram aceitação, mas as pessoas de pele negra continuaram pobres.
O resultado da crença de que não temos racismo foi,
de acordo com muitos cientistas, um dos piores tipos de racismo que se conhece.
"A forma mais eficiente de reforçar o preconceito é achar que ele não
existe, que é natural", diz Luciana Jaccoud.
O nosso problema não está em lutas sangrentas entre
brancos e negros, mas em detalhes do dia-a-dia. "Sempre que vou ao
restaurante com uma amiga branca, o garçom entrega a conta para ela",
afirma a psicóloga negra Maria Aparecida, do Ceert. Está em todo lugar: o
diagrama do corpo humano na aula de anatomia é branco, as modelos nos outdoors,
os diretores de empresas e os políticos também são. "Há uma cota implícita
para branco em tudo. Até o Tarzan, um herói africano, não é negro", diz
Maria Aparecida. Ela afirma que, em pesquisas, as pessoas respondem facilmente
o que é ser preto ou pardo, associando-os a termos como "preconceito"
e "dificuldades", mas gaguejam ao responder o que é ser branco é
"ser normal" ou "não ter que pensar sobre isso".
Para piorar, o racismo muitas vezes se mistura à
discriminação por origem ou cultura, como a praticada contra nordestinos em
cidades do Sul e Sudeste.
Uma das principais formas de difundir esse
preconceito está nos meios de comunicação, que não raro retratam os negros em
posições inferiores.
Esse quadro recentemente começou a apresentar
mudanças, não porque o negro foi mais respeitado, mas pela chegada de programas
e filmes estrangeiros em que atores não-brancos são mais comuns.
"O negro no Brasil tem espaços sociais bem
definidos", afirma o antropólogo João Baptista. Um idéia bastante
difundida é de que são bons no futebol e na música. O mesmo espaço, no entanto,
não é dado em cargos de diretoria e outras posições de poder.
QUAL É A SOLUÇÃO?
Existem várias propostas. Para o antropólogo negro
Paul Gilroy, da Universidade de Yale, Estados Unidos, considerado um dos
intelectuais de maior destaque na atualidade, o conceito de "raça"
deveria simplesmente ser abolido. Ele afirma que esse termo é uma categoria
falsa, criada com fins discriminatórios, que não traz avanços nem faz sentido
no mundo de hoje, em que a busca das empresas por novos mercados até valoriza a
identidade negra.
A idéia causou muita polêmica e talvez não se
aplique à realidade brasileira, em que a cor da pele ainda gera preconceito.
Muitos acham que, enquanto o racismo não acabar, não é possível abandonar a
idéia de raça.
Formas de superar o racismo, preconceito
e discriminação racial]
As principais propostas para vencer o preconceito
estão agrupadas em uma categoria chamada "ações afirmativas".
Essas
políticas reconhecem que existem grupos com menos oportunidades e, para que
tenham as mesmas chances, oferecem a eles alguns privilégios até que o problema
se resolva.
Já existem no Brasil algumas leis afirmativas em
relação a mulheres e a deficientes, mas as políticas em relação a negros só
agora dão seus primeiros passos.
"Auxiliar mulheres não fere os interesses
de ninguém. Elas são filhas, mães e irmãs de todo mundo. Já os negros são uma
competição de verdade", diz o sociólogo Antônio Sérgio.
[Exemplos de Ações Afirmativas para
questão racial no Brasil]
Entre os exemplos de políticas afirmativas estão
estabelecer metas para aumentar a presença de negros em empresas ou em cargos
de chefia,
fixar um
número mínimo de atores não-brancos em comerciais e programas de televisão,
dar preferência a candidatos pretos e pardos em
caso de empate em processos de seleção,
privilegiar
firmas que tenham mais negros entre seus funcionários
registrar as terras remanescentes de quilombos.
O ponto mais polêmico está nas cotas em
vestibulares. Os defensores afirmam que elas funcionam: nos Estados Unidos, por
exemplo, a classe média negra, que era quase inexistente, aumentou
consideravelmente por meio dessas políticas.
[criticas as cotas nas universidades]
1 - Os críticos, por sua vez, falam que a solução é
melhorar o ensino médio e fundamental gratuito e, de quebra, auxiliar a
população de baixa renda. Essa estratégia funciona, mas talvez demore. Estudos
mostram que se por um milagre as escolas públicas básicas se tornassem hoje tão
boas quanto as particulares, seriam precisos mais de 30 anos para resolver as
desigualdades entre pretos e brancos. "Além disso, o ensino básico já foi
bem melhor e não ajudou a população negra", diz Kabengele.
2 - Outra crítica é que a autodefinição é o único
critério que existe para definir pretos e pardos, o que em teoria permite a
qualquer um se aproveitar dos benefícios. "É possível que ocorram fraudes,
mas acredito que elas serão raras. Seria até engraçado ver todos se dizerem negros",
diz Maria Aparecida, do Ceert.
3 -As cotas, no entanto, estão longe de ser uma
solução definitiva. Elas resolvem apenas a inclusão do aluno na universidade,
sem garantir que ele irá para os cursos mais valorizados e que terá condições
de se formar neles.
4 - Também criam o estigma de que os alunos
não-brancos são menos qualificados um motivo que leva muitos universitários
negros a se posicionarem contra as cotas.
[medidas paliativas para Cotas nas
universidades]
Existem alternativas para alguns dos problemas,
como doar bolsas para que alunos negros tenham o mesmo preparo dos brancos ou
criar cursinhos voltados para eles.
As ações afirmativas, no entanto, são apenas parte
da solução.
É preciso também punir as manifestações de racismo,
garantir que crimes cometidos por negros não sejam julgados mais severamente
nem que eles virem alvo de violência policial.
Também é importante incluir o negro em propagandas,
livros didáticos e manifestações artísticas.
Para coordenar essas ações, o governo federal
inaugurou no mês passado a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Se as medidas derem certo e
pudermos ver pessoas de várias origens e cores em todos os espaços do país,
então poderemos dizer que vivemos uma democracia racial e, quem sabe, esquecer
definitivamente que raças humanas existem.
NEGROS DO NORTE E DO SUL [Porque a luta contra
o preconceito e a discriminação racial é maior nos Estados Unidos do que no
Brasil]
Assim como o nosso país, os Estados Unidos
receberam escravos. Entretanto, eles foram mais extremos: não só tiveram a Ku
Klux Klan como tiveram Martin Luther King. Afinal, o que há de diferente entre
o nosso racismo e o deles?
[Porque a luta contra o racismo é maior
nos Estados Unidos do que no Brasil]
Preconceito de Origem]
Os brancos americanos são mais radicais: qualquer
pessoa que tenha ao menos um ancestral negro é negro. Mesmo que uma pessoa seja
considerada branca, ela pode ser reclassificada se descobrirem que tem um
parente negro. "Não existem pardos para os americanos", afirma o
antropólogo Kabengele Munanga, da USP.
[no Brasil, preconceito é de Marca
(aparência)]
Já no Brasil, o preconceito é baseado mais na cor
da pele e em outros traços físicos.
Um clássico das nossas manifestações de racismo é o
requisito de "boa aparência" nas ofertas de emprego. Temos também uma
enorme quantidade de classificações raciais em uma pesquisa feita em 1963, os
100 habitantes de uma vila de pescadores do Nordeste usaram 40 termos nas
autodeclarações de cor.
Cada estilo tem suas conseqüências.
[Nos Estados Unidos]
O racismo americano criou uma solidariedade entre
negros e pardos e, por ser mais evidente, exacerbou as lutas raciais. Um negro
que ascendesse socialmente assumia o compromisso com os membros de sua etnia.
Nas décadas de 50 e 60, esse conflito levou a ações que combatessem a
discriminação, em alguns casos com política de cotas.
[No Brasil]
Já no Brasil, a diluição da questão racial
dificulta a união entre os não-brancos[M5] . "É comum o negro que
ascende socialmente romper o contato com os outros de sua classe para se
preservar. Ele também se torna rigoroso com a família e com a moral para manter
a respeitabilidade", diz João Baptista Pereira, da USP.
É um racismo
pouco assumido, que pressiona os negros e evita que eles se mobilizem. Martin
Luther King teria dificuldades muito maiores por aqui.
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